A ausência de melanina na magistratura e as limitações sobre racismo e injúria racial

06 DE OUTUBRO DE 2020 POR JANAÍNA SABINA

Racismo estrutural

É fato que a figura do juiz ou juíza preta continua incomum nos fóruns brasileiros. Pode-se dizer que isso decorre do racismo estrutural e de uma série de negativas educacionais, que na pós-escravidão não houve qualquer incentivo de estudo ou mesmo formas de sobrevivência além dos porões da Casa Grande.

Novelas e filmes costumam abordar essa temática ao colocar juízes e juízas pretas a fim de estimular o debate sobre esse “desbotar” de melanina em cargos de magistratura que ocorre não só no Brasil, mas no mundo a fora também. De certo, é para além das telas e telonas de sucesso da midiática de entretenimento. Vale trazer a ideia a que Ariano Suassuna, através do personagem João Grilo nos trouxe à reflexão, onde com tom de surpresa externou a “ideia” comungada por maioria, de que não esperava um Jesus Cristo “tão queimadinho”. Nas palavras de Jesus Cristo, interpretado por Maurício Gonçalves, ator negro, foi dismistificado a imagem construída ao longo dos séculos de Jesus como um homem loiro, de olhos claros e cabelos cumpridos.

Diante desse pensamento construído, as pessoas ainda adentram os fóruns no Brasil esperando por um juiz branco, hétero e com uma idade que satisfaça a crença de confiança, pela experiência no ramo – essa é a imagem de juiz construída no imaginário da maioria das pessoas.

 

Fonte: pexels

Equidade racial

Numericamente falando pessoas pretas não são minoria no Brasil, pelo contrário, segundo o IBGE, nos últimos anos, negros representam 54% da população do país. Porém, numa visão conceitual de minorias sociais é inegável que a negritude, devido ao período escravocrata, carrega marcas terríveis na formação das sociedades e a principal delas é o racismo e uma consequente marginalização da população preta. É por isso que ainda temos dificuldades em imaginar juízes e juízas pretas no cenário brasileiro. Senão vejamos, por melhor estatisticamente a equidade racial será alcançada somente daqui a 24 anos:

 

Levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça aponta que a equidade racial na magistratura brasileira só será alcançada no ano de 2044. Ou seja, somente daqui um quarto de século o quadro de juízes no país será composto por, pelo menos, 22,2% de pessoas negras e pardas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: pexels

Racismo ou injúria racial

Na visão de Adilson Moreira (2019), os acusados de racismo ou injúria racial utilizam argumentos que beiram uma inocência por associação ao dizerem que só estavam brincando ou, se tratava apenas de uma piada sem nenhuma relevância. Todavia, na verdade “os que utilizam esse argumento esperam que promotores e juízes, quase todos brancos, se  solidarizem com eles e desconsiderem as acusações”.

Mesmo sob o manto do princípio da imparcialidade do juiz, para Zaffaroni, juiz não pode agir de forma neutra, haja vista não existir neutralidade ideológica. Assim, nos traz a indignação de que um juiz não possa ser cidadão enquanto atua no seu oficio, que não possua ideias e esteja fadado a robotizar-se de pensamentos alheios.

Nesse sentido, infere-se que a neutralidade é mero devaneio e que juízes particularmente possuem uma visão de mundo, de ideias e realidades que estão imersas naquilo que Djamila Ribeiro alcunhou de Racismo Estrutural, a qual se manifesta em diferentes dimensões do cotidiano, passando pelo foro individual, econômico e politico. Trata-se de um processo de naturalização e mesmo sem o devido entendimento todos reproduzem o racismo e isso está na estruturação do Brasil, que por via de consequência reverbera negativamente no nosso judiciário.

Se não temos no nosso ordenamento juízes que se identifiquem ou tenham vivenciado situações discriminatórias, de outro lado temos inúmeros casos de racismo e injuria racial que são ignorados ou no mínimo têm seus efeitos minimizados, a exemplo do Curta metragem O Casaco, filme que é uma adaptação de um caso real de injúria racial.

Segundo Adilson Moreira (2019) há uma estratégia de defesa dos racistas em demonstrar que não havia uma intenção de ofender as minorias sociais, pois esse possui amigos e parentes pretos (num país marcado pela miscigenação, tal defesa beira a obviedade), afirmando que o humor racista é um tipo de discurso de ódio, pois comunica o desprezo e condescendência por minorias. Com essa visão, verbaliza:

 

“Os que utilizam esse argumento esperam que promotores e juízes, quase todos brancos, se solidarizem com eles e desconsiderem as acusações. O discurso da transcendência racial opera aqui como uma tentativa de blindagem legal de pessoas brancas, indivíduos que não podem ser racistas porque convivem com negros, sendo a cordialidade uma marca do comportamento social de brancos no nosso país”.

 

Por fim, vale mencionar que enquanto não tivermos pretos e pretas com as mesmas oportunidades de educação e, enquanto não questionarmos efetivamente o privilégio dos brancos e o porquê de termos uma magistratura esbranquiçada, como afirmou a juíza de Direito Karen Luise Vilanova Batista de Souza (2020), no Brasil continuará a faltar negros ocupando essas cadeiras, e sobretudo não faltarão entendimentos judiciais equivocados no que concerne as tipificações penais entre injúria racial e racismo, principalmente no que diz respeito  à  interpretação  imediatista  de  que  foi  apenas  uma  “brincadeira”   ou  um  mero dissabor.

 

Fonte: freepik

REFERÊNCIAS

BOUJIKIAN. Kenarik. Neutralidade é um mito, mas a imparcialidade do juiz é um dever. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jul-29/escritos-mulher-neutralidade-mito-imparcialidade-juiz-dever. Acesso em 01 de out. de 2020.

MARCO. Katia. Juíza negra explica: Nossa magistratura é branca e temos uma sociedade escravocrata. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/03/juiza-negra-explica nossa magistratura-e-branca-e-temos-uma-sociedade-escravocrata. Acesso em 02 de out. de 2020.

MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo, São Paulo : Sueli Carneiro, 2019. Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.

Sobre a autora Janaína Sabina

Jana é sonhadora, determinada e apaixonada por letras, direito e sertão.

*Ser redatora do Desperte é conseguir trazer as palavras enquanto elementos transformadores de mundo, como bem dizia Clarice Lispector ao falar do processo de criação da escrita. Acredito que ser redatora do Blog de um curso preparatório, que tem as novas metodologias e a criatividade de seus profissionais enquanto mola propulsora da aprendizagem é permitir dar asas a imaginação dos escritores desse projeto e eu sempre fui fascinada pela ideia de educação além das grades! E assim por preferir os voos às gaiolas me senti tocada com a ideia de poder levar as minhas contribuições, os meus escritos e logicamente um pouco de mim, pois todo discurso carrega em si as marcas de seu escritor! E assim como o Desperte transformou o meu olhar sobre aprendizagem quero seguir transformando e também incentivando leitores a voar e não há nada mais libertador que a escrita.